1. Considerações Gerais
A Lei nº49/2018, de 14 de agosto, instituiu o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando definitivamente os institutos da interdição e da inabilitação previstos no Código Civil.
Da exposição de motivos da nova lei consta que se visou preparar o terreno para o tratamento condigno não só das pessoas idosas, mas também as de qualquer idade carecidas de proteção, seja qual for o fundamento dessa necessidade.
Como afirmam Heinrich Ewald Hörster e Eva Sónia Moreira da Silva, ‘o regime do maior acompanhado vem de encontro à evolução que aponta no sentido de se valorizar a autonomia das pessoas maiores mais vulneráveis e dar resposta aos casos em que elas se veem confrontadas com a diminuição das suas capacidades, inclusive a que pode resultar da longevidade alcançada pelo aumento da esperança de vida, beneficiando-as com medidas de acompanhamento’.
Reconheceu-se que as diferentes situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, carecem de respostas e de apoios distintos, devendo essa diversidade ser tida em conta no desenho das medidas e das respostas dadas a cada caso.
Deu-se primazia à autonomia da pessoa, cuja vontade é respeitada e aproveitada até ao limite do possível, consagrando-se um modelo de acompanhamento em que a pessoa é apoiada na formação e exteriorização da sua vontade e não substituída na sua vontade.
Isto significa que o acompanhamento que lhes é feito deve limitar-se ao necessário, a sua autodeterminação deve ser preservada e as capacidades que têm devem ser aproveitadas.
O acompanhamento apenas surgirá se e enquanto se mostrar em concreto necessário, no estrito conjunto de interesses que careçam de ser geridos e que serão determinados pelo tribunal em cada caso (artigos 140º e 149º do Código Civil).
Garante-se a possibilidade do maior acompanhado, salvo decisão expressa do juiz em contrário, manter a liberdade para a prática de diversos atos pessoais (artigo 147º do Código Civil).
Aliás, um dos objetivos do atual direito de proteção dos maiores é precisamente o reconhecimento da liberdade para a prática de direitos pessoais.
2. Quem pode requerer o acompanhamento
De acordo com o artigo 141º do Código Civil, a própria pessoa que necessita de ser acompanhada pode requerer o acompanhamento, tal como o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível, desde que autorizados pelo próprio e, independentemente de autorização, o Ministério Público.
3. Os requisitos do acompanhamento
O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia de medidas de acompanhamento (artigo 138º do Código Civil).
São dois os requisitos para decretar uma medida de acompanhamento:
Estes requisitos são cumulativos.
A finalidade da medida não é incapacitar a pessoa, mas auxiliá-la, dando-lhe o apoio necessário para que exerça na plenitude a sua capacidade jurídica.
O princípio da nova lei é proteger sem incapacitar.
4. O conteúdo do acompanhamento
Sobre o âmbito e conteúdo do acompanhamento rege o artigo 145º do Código Civil.
O acompanhamento pode envolver uma representação legal para aquelas situações de absoluta incapacidade do necessitado.
Pode implicar o recurso à assistência, mediante a autorização do acompanhante para a prática de certos atos.
Consistir num mero apoio à atuação do acompanhado.
Seja qual for a medida adotada, continua a ser livre a celebração de negócios da vida corrente pelo acompanhado (exceto se a decisão judicial determinar o contrário).
Os atos de disposição de bens imóveis ficarão sempre dependentes de autorização judicial prévia e específica (artigo 145º do Código Civil).
Do mesmo modo, o internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal, sendo que, em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz (artigo 148º do Código Civil).
5. O Acompanhante
Em primeira linha, a lei prevê que o acompanhante é escolhido pelo acompanhado.
Na falta de escolha ou não confirmação pelo tribunal o acompanhamento é deferido à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
O acompanhante deve atuar no respeito pela vontade e preferências do acompanhado, devendo abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado.
Caso tal ocorra, cabe-lhe requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes para ultrapassar a situação.
As funções do acompanhante são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e a do acompanhante.
O acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado.
6. Mandato com vista ao acompanhamento
Uma das disposições mais importantes do novo regime é o mandato com vista a acompanhamento (artigo 156º do Código Civil).
Agora, qualquer pessoa pode, prevenindo uma eventual necessidade de acompanhamento, celebrar um mandato para a gestão dos seus interesses, com ou sem poderes de representação.
Trata-se de uma declaração na qual a pessoa maior dá instruções específicas sobre quais as ações a tomar no caso de, mais tarde, não lhe ser possível tomar decisões sem assistência, podendo estabelecer as suas relações pessoais e financeiras de acordo com a sua vontade.
No momento em que é decretado o acompanhamento, o tribunal aproveita o mandato, no todo ou em parte, e tem-no em conta na definição do âmbito da medida e na designação do acompanhante.
O tribunal pode também fazer cessar o mandato quando seja razoável presumir que a vontade do mandante seria a de o revogar.
Referências